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Durante quase todo o séc. XX surgiram novas artes e os géneros tradicionais. Até então genericamente estáveis na forma e nos meios, foram progressivamente desconstruídos, numa redução dos seus elementos estruturais, depois reequacionados em torno de novas ideias, estímulos e motivações expressivas. A luta que tais transformações geraram, na teoria e na prática, em confronto com outras tecnologias, foi atulhando o mundo de centenas de milhares de novas hipóteses de formar.

Quando os estetas estabeleceram que a cor era o elemento estrutural por excelência na pintura, as concepções daí decorrentes remeteram-se à singeleza das bases – linha, textura, valor, cor. Como na música, o artista haveria de se  bastar com essa via,   despojando-se da ideia de representação, das figuras reconhecíveis para sagrar o real, para nos conduzir a uma reinvenção consciente e minimal das coisas e dos seres. Foi uma era decisiva, apesar de certas retomas em novos modos de formar ainda se afirmarem em contundente controvérsia. A luta por esta ou por aquela tendência, numa espécie de clubismo provinciano, começou, em todo o caso, a diluir-se numa soberana convivialidade dos processos. O que importa passa pela conquista autêntica do modo, da inovação sustentável, de outros encontros conceptuais. 

As pinturas da obra de Rui Tavares, que nasceu na Figueira da Foz, em 1974, e licenciou-se na FBAUP, são, em termos de excelência, proposições de um espectáculo que terá uma base oficinal muito sólida e que vem a situar-se simetricamente, em termos a abstração convulsiva, oposta à forma plástica ordeira e harmónica, complementaridade ao mesmo tempo abstracta e tocada de elementos lexicais derivados de planos, muros, fragmentos, restos de máquinas e princípios de outras. Rui Tavares trabalha um qualquer caos civilizacional, registo após registo, num velo fluir competitivo (pela figura e pela cor) na linha esplendorosa dos elementos constituintes do todo. E a sua escrita, a sua caligrafia, primam por uma resolução oficinal livre mas não acidental o pensamento plástico, que Francastel tanto defendeu, é aqui uma realidade benéfica e clarividente. Enquanto as formulações enviesadas, vivendo o aleatório e a força textural, podem beneficiar ainda do “favor” de espectadores eruditos (inovadores), sabendo o perfeccionismo de certas junções, ao estilo serigráfico de Rui Tavares, que já passou a clamorosa acusação de delito, para aceder em si, decisivo, o percurso da autonomia à raridade. 

 

Rocha de Sousa

 

 

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